fonte: O Globo
por Alfredo Guarischi, médico
O impacto ocasionado pela greve dos caminhoneiros, em protesto pelos impostos injustos e pela exploração direta ou indireta de empresários oportunistas, legisladores inescrupulosos e governantes lenientes, perde sua legitimidade quando passa a punir a sociedade. Esse fato é semelhante ao que ocorre, de forma crônica, com a saúde no Brasil.
Conheci 32 ministros desde que cheguei à Faculdade Nacional de Medicina, na Praia Vermelha. De todos eles, apenas cinco ficaram mais de três anos no cargo, o que significou para os demais uma média de 16 meses no posto. O troca-troca ministerial decorrente de “negócios” partidários contribuiu para decisões oportunistas e para a falta de uma política de Estado.
Nesses 49 anos, nenhum dos candidatos que pleitearam a Presidência da República anunciou em sua campanha eleitoral o nome do seu futuro Ministro da Saúde. Curiosamente, não foi efetivado no comando da pasta qualquer funcionário de carreira, pois o cargo é cobiçado ardorosamente pelos partidos políticos, não para aplicar propostas inovadores e efetivas, mas pelo tanto que o maior orçamento do Planalto pode servir à bancada.
Vale lembrar que diversos órgãos e diretorias do Ministério da Saúde têm sido frequentemente alvos de processos por corrupção. O mesmo se repete em várias secretarias estaduais e municipais de saúde. No entanto, tivemos ministros e secretários honrados que, entre outras medidas, consolidaram os vitoriosos e mundialmente reconhecidos programas nacionais de vacinação, de transplante de órgãos e de hemoterapia, graças ao apoio que deram ao Sistema Único de Saúde (SUS), criado em 1988.
No entanto, o sistema não é e nunca foi único. Deveria ser chamado de Sistema Público de Saúde, diferente do atual Sistema Político de Saúde, consequência do aparelhamento partidário. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que deveria regular o sistema privado, é outro desastre, ao desprezar os direitos dos pacientes. Os planos de saúde suplementares “baratinhos”, que gastam fortunas em propaganda, podem levar o paciente a atoleiros de coberturas ilusórias, e mesmo assim são um sonho para a população, devido à progressiva e orquestrada desconstrução do SUS.
Como ocorreu com o sistema de transportes de cargas, com sua irresponsável e hegemônica opção rodoviária, desconhecendo a importância das ferrovias e hidrovias, há uma aliança perversa conspirando contra o que resta de nosso sistema de saúde, no qual dogmas ideológicos arcaicos, omissões e corrupções — crônicas e degenerativas — deixam brasileiros comuns no meio do caminho, sem ter para onde ir, “engarrafados” e desassistidos.
Aqui, onde sobram leis e falta justiça, o constante desrespeito à Constituição — saúde, por exemplo, é um direito de todos — está obstruindo ainda mais o acesso dos passageiros da saúde. Falta combustível governamental, o compromisso republicano.